“O educador como semeador”

| por Flávia Bandeca Biazetto |

É com imenso prazer que aceitei o desafio de usar este espaço para dialogar sobre educação, um tema que me motiva, me inspira e renova minhas crenças e utopias. Sem idealizações de que ela pode salvar a humanidade de todas as suas mazelas, penso que ela é o principal instrumento de uma tomada de consciência de nós mesmos e do mundo que nos circunda. Com ela, questionamos: Quem somos? Onde vivemos? Por que vivemos deste modo e não de outro?  Qual nosso papel na sociedade em que estamos inseridos? 

Essa ideia de educação não é resultante de minhas reflexões, mas sim as reproduzo da obra de Paulo Freire, para quem educar é uma forma de fazer política. Ou seja, um meio de conhecer a sociedade e as nossas potencialidades para atuar nela. Uma maneira de denunciar a desumanização e de anunciar possibilidades de atuar em nosso momento histórico.  Enfatizo um dos modos diante de tantos outros que temos disponíveis em nosso tempo e em nossa sociedade. Para ficar mais claro porque escolhi começar a conversa explicando minha visão de educação, nada mais justo e honesto que citar diretamente quem realmente a elaborou:

 “O que se coloca à educadora ou ao educador democrático, consciente da impossibilidade da neutralidade da educação, é forjar em si um saber especial, que jamais deve abandonar, saber que motiva e sustenta sua luta: se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode. Se a educação não é a chave das transformações sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia dominante. (…)  O educador e a educadora críticos não podem pensar que, a partir do curso que coordenam ou do seminário que lideram, podem transformar  o país. Mas podem demonstrar que é possível mudar

Essas palavras estão na obra Pedagogia da Autonomia, pela qual tenho um carinho enorme pois sempre me foram um consolo. Quando saia de uma aula pensando no meu fracasso diante das minhas expectativas de como seria o seu desenvolvimento, lembrava que eu não podia sozinha salvar o mundo, nem ao menos com a ajuda daqueles 30 alunos. Entretanto, se um dia, ao menos um em um futuro desconhecido, aqueles jovens pudessem olhar para si mesmos e falar: “Eu ainda acredito que o ser humano é capaz de atuar e viver dignamente em comunidade”, eu já havia mudado alguma coisa na história de cada um deles. 

Talvez possa parecer contraditório, pois comecei falando que não tinha idealizações quanto à educação e não tenho mesmo.  Educar para mim é um ato de semear, precisa de solo, condições climáticas favoráveis, muito trabalho e tempo para que a consciência brote. Seu desabrochar se dá de maneira muito particular em cada um envolvido nos processos de educação. O mais complicado nesse ciclo é que o semeador muitas vezes não contempla sua semedura e deve acreditar que outras pessoas darão continuidade ao seu trabalho. Educar é um trabalho de comunhão. 

Flavia Cristina Bandeca Biazetto, educadora, pesquisadora de Literaturas africanas de Língua portuguesa e jornalista – nessa ordem. Atuou com educação popular, Ensino básico, formação de professores, Português como língua estrangeira e Ensino Superior EAD. Encantou-se pelas narrativas africana, um caminho sem volta, o que resultou em seu mestrado – “Histórias de Guerra: uma leitura de crônicas de Antonio Lobo Antunes e Mia Couto”.    (USP/2009) e seu doutorado ” As confluências das tradições literárias escrita e oral nos livros didáticos” (USP/2017). Atualmente, dedica-se à produção de conteúdo editorial, pela Odoiá Educacional, e pesquisas sobre o ensino de leitura literária.